Quando a nostalgia, a saudade e a emoção predominam, tentando traduzir poeticamente a linguagem dos sentimentos, a crônica é lírica.
EXEMPLOS:
TEXTO 1: APELO
Amanhã faz um mês que a Senhora está longe de casa. Primeiros dias, para dizer a verdade, não senti falta, bom chegar tarde, esquecido na conversa de esquina. Não foi ausência por uma semana: o batom ainda no lenço, o prato na mesa por engano, a imagem de relance no espelho.
Com os dias, Senhora, o leite pela primeira vez coalhou. A notícia de sua perda veio aos poucos: a pilha de jornais ali no chão, ninguém os guardou debaixo da escada.
Toda a casa era um corredor deserto, e até o canário ficou mudo. Para não dar parte de fraco, ah, Senhora, fui beber com os amigos. Uma hora da noite eles se iam e eu ficava só, sem o perdão de sua presença a todas as aflições do dia, como a última luz na varanda.
E comecei a sentir falta das pequenas brigas por causa do tempero na salada o meu jeito de querer bem. Acaso é saudade, Senhora? As suas violetas, na janela, não lhes poupei água e elas murcham. Não tenho botão na camisa, calço a meia furada. Que fim levou o saca-rolhas? Nenhum de nós sabe, sem a Senhora, conversar com os outros: bocas raivosas mastigando. Venha para casa, Senhora, por favor
(Dalton Trevisan)
No contexto da crônica, a ausente figura feminina presentifica-se por meio do impressionismo do autor. No lirismo nostálgico, está o predomínio das funções poética e emotiva da linguagem. A função conativa (o vocativo “Senhora”) reitera o título “Apelo”, sugere o destinatário, mas não o identifica, O texto ganha expressividade nessa indefinida mulher: o leitor é instado a supor a identidade da senhora ausente com a mesma intensidade com que supõe o motivo da ausência, e, dessa forma, identifica-se com as emoções do narrador.
TEXTO 2: Coisas antigas
Depois de cumprir meus afazeres voltei para casa, pendurei o guarda-chuva a um canto e me pus a contemplá-lo. Senti então uma certa simpatia por ele; meu velho rancor contra os guarda-chuvas cedeu lugar a um estranho carinho, e eu mesmo fiquei curioso de saber qual a origem desse carinho.
Pensando bem, ele talvez derive do fato, creio que já notado por outras pessoas, de ser o guarda-chuva o objeto do mundo moderno mais infenso a mudanças. Sou apenas um quarentão, e praticamente nenhum objeto de minha infância existe mais em sua forma primitiva. De máquinas como telefone, automóvel, etc., nem é bom falar. Mil pequenos objetos de uso
mudaram de forma, de cor, de material; em alguns casos, é verdade, para
melhor; mas mudaram.
O guarda-chuva tem resistido. Suas irmãs, as sombrinhas, já se entregaram aos piores desregramentos* futuristas e tanto abusaram que até caíram de moda. Ele permaneceu austero*, negro, com seu cabo e suas invariáveis varetas. De junco fino ou pinho vulgar, de algodão ou de seda animal, pobre ou rico, ele se tem mantido digno.
Reparem que é um dos engenhos mais curiosos que o homem já inventou; tem ao mesmo tempo algo de ridículo e algo de fúnebre, essa pequena barraca ambulante.
Já na minha infância era um objeto de ares antiquados, que parecia vindo de épocas remotas, e uma de suas características era ser muito usado em enterros. Por outro lado, esse grande acompanhador de defuntos sempre teve, apesar de seu feitio grave, o costume leviano de se perder, de sumir, de mudar de dono. Ele na verdade só é fiel a seus amigos cem por cento,
que com ele saem todo dia, faça chuva ou sol, apesar dos motejos alheios; a estes, respeita. O freguês vulgar e ocasional, este o irrita, e ele se aproveita da primeira distração para sumir.
Nada disso, entretanto, lhe tira o ar honrado. Ali está ele, meio aberto, ainda molhado, choroso; descansa com uma espécie de humildade ou paciência humana; se tivesse liberdade de movimentos não duvido que iria para cima do telhado quentar sol, como fazem os urubus.
Entrou calmamente pela era atômica, e olha com ironia a arquitetura e os móveis chamados funcionais: ele já era funcional muito antes de se usar esse adjetivo; e tanto que a fantasia, a
inquietação e a ânsia de variedade do homem não conseguiram modificá-lo em coisa alguma.
*Desregramento: falta de regularidade ou de regra.
*Austero: rígido de caráter; severo, grave.
(BRAGA, Rubem. Ai de ti, Copacabana. Rio de Janeiro: Record, 1993.)
OBJETIVO: DISPONIBILIZAR OBRAS DA LITERATURA, TEXTOS E TAREFAS SOBRE A LÍNGUA PORTUGUESA .
quarta-feira, 28 de julho de 2010
Assinar:
Postar comentários (Atom)
O Aluno (por ele mesmo)
O aluno não copia: compara resultados.O aluno não fala: troca opinões.O aluno não dorme: se concentra.O aluno não se distrai: examina as moscas.O aluno não falta na escola: é solicitado em outros lugares.O aluno não diz besteiras: desabafa.O aluno não masca chiclete: fortalece a mandíbula.O aluno não lê revistas na sala: se informa.O aluno não destrói o colégio: decora a escola segundo seu gosto.
(BRINCADEIRINHA!!!!!!!!)
(BRINCADEIRINHA!!!!!!!!)
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
Excluir